6 de janeiro de 2008

Lembras da Estrela? Do Oriente?

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Foi na estalagem ‘Os Quatro Caminhos do Mundo’ que os três reis viajantes se encontraram. Descobriram, então, que eram irmãos: todos vinham da mesma nostalgia, todos caminhavam em busca da mesma alegria.

Continuaram, então, juntos, a jornada, até que, noite já chegada, chegaram a um vilarejo. “Que vilarejo será esse?“, perguntaram. Beth-léhem: esse era o seu nome, gravado numa pedra. “Que estranho“, disse Gaspar, “aprendi tudo o que há para ser aprendido sobre reinos, províncias, cidades e vilas. Mas nunca vi esse nome em qualquer um dos livros que li“. Balt-hazar acendeu sua lâmpada de azeite e iluminou, com sua luz bruxoleante, o mapa que abrira sobre o chão. “Aqui está ela“, ele disse marcando com o seu dedo um lugar no mapa. “Beth-léhem. Fica precisamente na divisa entre dois grande reinos. À esquerda está o Reino da Fantasia. À direita está o Reino da Realidade. São reinos perigosos. Quem mora só no Reino da Fantasia fica louco. Quem mora só no Reino da Realidade fica louco. Para se fugir da loucura há de se ficar transitando de um para todo, o tempo todo. Somente os moradores de Beth-léhem estão livres da necessidade de estar, o tempo todo, indo de um reino para outro. Porque Beth-léhem fica bem na divisa...“.

No vilarejo todos dormiam. Era uma noite de paz. O ar estava perfumado com flores de jasmim e magnólia. E havia um brilho no ar – milhares, milhões de vaga-lumes estavam pousados sobre as árvores. No ar, o som de uma flauta de pastor...

A estrela iluminava uma gruta. Os reis se aproximaram. Na gruta havia vacas, cavalos, burros, ovelhas. Era uma estrebaria. Mas, junto com os animais, uma pequena família: um jovem e uma jovem que amamentava um nenezinho recém-nascido.

Perceberam que haviam se enganado: não era a estrela que iluminava a cena. Era o nenezinho que iluminava a estrela. E olhando bem para ela puderam ver, nela refletido como num espelho, o rosto da criancinha. E disseram: “O universo é um berço onde uma criança dorme!“.

Aí uma coisa estranha aconteceu: ao olhar para o nenezinho os reis perdiam a sua compostura real; eram dominados por uma vontade incontrolável de rir. E quando riam, ficavam leves e começavam a flutuar. Era assim...

Os reis, em meio aos risos e vôos, olharam cada um para o outro e disseram: “Nossa busca chegou ao fim. Encontramos a alegria. Para se ter alegria é preciso voltar a ser criança...“. Ato contínuo tomaram suas coroas, capas de veludo, dinheiro, ouro, jóias – coisas de adulto - e as depuseram no chão, ao lado das vacas e dos burros... Eram pesadas demais. E partiram leves, ora andando, ora pulando, ora voando, mas sempre rindo.

“Vou mudar de vida“, disse Gaspar. “É horrível ter de estar estudando ciência o tempo todo. Vou me transformar em poeta...“

“Eu também vou mudar de vida“, disse Balt-hazar. “É horrível estar rezando o tempo todo. Vou ser palhaço. O riso é o início da oração.“

Ao que Mélek-hor acrescentou: “E eu descobri o prazer supremo, que vem sempre acompanhado de alegria: brincar. Vou ser um fabricante de brinquedos. Quem brinca volta a ser criança. E quem volta a ser criança está de volta no Paraíso.“.

E assim partiram, cada um por num caminho. E se você, nas suas andanças, se encontrar com um poeta, um palhaço ou um fabricante de brinquedos, pergunte se ele não tem notícias de uns três reis...

(Rubem Alves, Transparências da eternidade, Verus, 2002)

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